EDGAR RACY | URBANA

“Sobre materiais e singularidades formais em Edgar Racy”

Nesta primeira individual depois de dez anos, Edgar Racy maneja como material para o trabalho artístico os resíduos resultantes da produção industrial, tocando um assunto deveras incômodo em tempos de revisão do padrão de consumo contemporâneo. Racy emprega seu olhar interessado pela forma para metamorfosear o material, em outras palavras, trata-se de um artista que lança mão da inteligência formal para subverter essa mesma inteligência ao utilizar nessa operação sobras apropriadas do descarte. 

Sua compreensão da beleza passa por um olhar que desloca e, frequentemente, descasca o objeto primeiro, revelando sua estrutura. Os objetos finais são elegantes, às vezes complexos formalmente, algo curioso quando nos damos conta de onde provêm e de sua funcionalidade anterior.  

Nos bidimensionais, a operação é semelhante: um jogo surge ao descobrirmos os materiais que cobrem as telas, todos restos da vida cotidiana nos centros urbanos. Nossos rastros de civilizados. Sem as fichas técnicas, é difícil perceber que as telas estão cobertas de estilhaços de vidros de garrafas, pequenos pedaços de papel jornal, serragem, fragmentos de uniformes e cobertores, louças, telhas, tijolos, bitucas de cigarros, reduzidos até que fiquem descaracterizados e adquiram um aspecto sedutor, conferido pela cor, textura ou forma. Em alguns bidimensionais, a linguagem enxuta aparece nas palavras que podem configurar metáforas ou conferir sentido ao material. Surgem aí retratos e paisagens. Se os objetos conversam com a escultura moderna e contemporânea, os bidimensionais tecem relações com os lugares do debate pictórico. 

Nesses anos, Racy manteve-se atento ao percurso artístico que se propôs ao coletar incessantemente tais materiais e acumulá-los em casa. Ao rearranjá-los, num movimento sutil e minimalista, o artista diz de nossas atividades cotidianas, de quem somos na cidade de hoje. Ao mesmo tempo, são trabalhos que em vez de discutirem o efêmero, buscam o permanente, falam da memória que habita nos objetos e o quanto eles próprios nos falam sobre o mundo que nos circunda (e que criamos). O ambiente da mostra de Racy é aquele de seu ateliê, com peças dispostas de maneira a salientar sua singularidade formal. Entretanto, são mais do que o poder de seu estímulo visual, pois percebemos que nelas há algo de estranhamente familiar. 

Ana Avelar